sábado, 22 de agosto de 2009

O rato que rói: a função da literatura

Fruto de insônia; as literaturas mais fervorosas. Os amigos mais profundos, eu não os escolhi, eles surgiram. As paixões mais pulsantes, eu não as procurei. Pensemos em uma espécie de rato comendo o coração da literatura. É como se o roído ecoasse no ofício do escritor e ele se pusesse a trabalhar. Literatura é lapidação mais sensibilidade, ou sensibilidade mais lapidação. Aquilo a que Octavio Paz atribui à poesia, a consagração do instante é exatamente a sua razão de ser. Os signos rumo à significação são uma instância mínima de socialização do universo paralelo que se ficcionaliza e se permite em literatura. As letras sempre configurarão um traço de ruptura, uma travessia do antes ao depois, do evento à formação do sujeito. Nada de “desimportante” se permitirá nesse rato que rói; o rato só roerá coisas sublimes. A literatura faz acontecer outro plano de acontecimentos o qual desconhecemos ou legitimamos. Trata-se de expressão, e não de representação. Sob vários nomes e nos quais confio copiosamente, a lida com a literariedade própria a certas escritas, manifestam-se os processos de sua ascensão, para mim, essas crenças funcionam como se jamais houvessem de ser abaladas ou suplantadas por outras verdades, embora aceite que por outras sejam futuramente acrescidas; a possibilidade de Kierkegaard, a escolha de Sartre, o evento de Badiou, a significação de Peirce; enfim, o poder de atravessar um acontecimento a outro, de modo que o outro se permita a investidura de profunda impreteribilidade de existência. Assim, toda a criação verdadeiramente literária atuará como divisão de águas. A Literatura é um instrumento através do qual nos oportunizamos a contracorrência ao pragmatismo de nossas relações atuais, se não se escreve, se morre, é o que diz Clarice em uma de suas entrevistas que, por vezes circula na TV Cultura. Deve de haver morrido e por nós ainda estar caminhando muitos espíritos vazios e pragmáticos. As histórias acontecem, as histórias nunca pararam de acontecer, pois existem (resistem) dentro da historicidade em que existem todas as coisas; a “labuta” com as palavras, as captam: eis a consagração que outrora mencionei. Literatura subverte o sujeito de seu senso comum e pragmático, a escrita é um transporte de meu corpo a um corpo outro. É como se em uma despedida, eu dissesse ter guardado o meu amor para alguém, e para que daqui a pouco eu pudesse amar essa pessoa; essa instância é a literatura.

Um comentário:

  1. flávia:
    ainda não tinha visitado seu blog - vergonhosamente. e o mínimo que posso dizer é que estou assombrado! seus textos são animalescos, bárbaros, intensamente vivos! que alegria encontrá-los! e encontrá-los na companhia de nina simone, tomando vinho, uma espécie de celebração espontânea. francamente, já estava desanimado quanto à possibilidade de a literatura brasileira produzir vozes tão virulentas como esta que ressoa destes seus textos. vai fundo.
    abraço.
    anelito

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