sábado, 22 de agosto de 2009

Do amante ao amado, o amor

No tempo em que eu amava, o meu espírito era alimentado por uma forte convicção de humanidade, permitia-me, pois, a genuinidade das fraquezas humanas e suas vicissitudes. Trata-se, pois, não de vincular-me ao objeto de minha posse e de meus cuidados, mas de amar o veículo pelo qual me permito possuí-lo ou tencioná-lo: o amor. Eu amo o amor e todos os seus processos de passionalidade. Depois de tudo o que há depois disso, eu murcho constantemente feito uma pele de velho. Antigamente, quando ainda havia uma névoa de sentimento em mim, e que se desintegrara tão descontroladamente ao meu controle, meti-me a dissertar sobre aquilo a que chamei instância amorosa por mim observada em duas literaturas de autorias queridas: Clarice (a Lispector) e Marina (a Colasanti), nos seus contos Amor e Na funda escuridão. Tarefa de inspiração também clariciana, quando, de vida amorosa e familiar desnorteada, escreve os contos de Laços de Família. E eu, do lado de cá das mediocridades literárias escrevo de amor e sob a formação discursiva de uma comprometedora primeira pessoa do singular da língua portuguesa, ora, convenhamos que toda despersonalização haverá de ter limites. E nesses meus tempos de tragédia profunda, o fiz sem nenhuma propriedade de amante. A lembrança mais imediata de minhas inspirações primeiras para esse trabalho reside nos recorrentes contatos de minha leitura com os escritos de Padre Antonio Vieira. No decorrer de minha vida, os seus Sermões me foram disponibilizados, da mesma maneira que pude depreendê-los sob o olhar de diferentes maturidades, na medida em que o tempo impreterivelmente passava. Fato é que, especialmente o Sermão do Mandato corrobora com as minhas meditações, no sentido de haver sido a primeira literatura a me convencer na magnitude do amor de Jesus Cristo, justamente por eu me achar em um lugar de extrema incompreensão e de incapaz desprendimento no que concerne ao amor. A sapiência de Jesus irá contracorrente à ignorância dos homens, à minha ignorância. Padre Vieira elenca alguns componentes indispensáveis para a plenitude das relações entre as pessoas e sobre os quais devemos recair um conhecimento perfeito: quem ama; a si mesmo, a quem se ama, o amor e o fim daquele que ama. Jesus o fez e nenhum de nós o faria, daí a nossa pequenez em não sermos o filho de Deus. O Sermão do Mandato está para a minha vida, tal como o Mito da Caverna está para Platão; atuou como se a mim fosse desvelada uma resposta para uma pergunta que já se consagrava engessada: Jesus amou e pronto. É nesse momento que as relações entre sofrimento e conhecimento apresentam-se mais sensíveis, mais árduas, quanto mais se sabe mais se sofre, pois, me encontrei incapaz de amar ou incapaz de acreditar que alguém o possa em sua totalidade. Dessa maneira, creio que nos é possível, a nós que não Jesus Cristo, amarmos perfeitos em alguns aspectos, não em todos, amarmos em todos os aspectos, mas imperfeitos: um amor que se desdobra em múltiplos amores, categorizam-se e não são mais amores. Na oportunidade de escrever sobre o amor nos contos, a instância amorosa é um bocado de instâncias. É tudo aquilo que permeia a travessia que vai desde o objeto amante ao objeto de sua posse, incluindo ambos e tudo o que os caracteriza. Assim, cada amor haverá de ser unificado como o tempo que não volta, será inquestionável em sua diferença, será inexplicável e de futuro duvidoso, será legítimo em suas limitações e será um amor fragmentado do amor de Cristo. A nós não bastará amar e pronto, já que irremediavelmente dotados daquilo que inicialmente chamei de humanidade, falharemos em nossa incompletude e mataremos Cristo por todos os dias de nossa vida e mais uma vez, quando deturpamos o amor que Ele veio nos ensinar: eis a crucificação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário