sexta-feira, 18 de maio de 2012

"De que são feitos os colares de pérolas?"


É debaixo da boca da noite que os corações mais fadigados repousam. É sob o luar que pequena ostra espia o pecado de viver entre os outros. Desculpe-me, mas é lá que estou; por entre os ouvidos musicados da pequena ostra. As canções da pequenina são abafadoras, é um bate contínuo no meio do cérebro. Quem fez isso, disso? A convicção da pequena ostra me comeu, cada vez mais generosa, cada vez mais alarmante, cada vez mais hipocondríaca. Pequena fora dela, eram só pérolas. Uma série de obséquios engasgados diretamente anexados ao enfeite de seu caixão final. Lá dentro erra-se menos, porque o sol é menos ofensivo. Lá dentro, a potência cerebral de pequena ostra é menos posta à prova, minto: quase nunca é posta à prova. As pedras ali atiradas doem tão pouco sobre a carcaça de pequena ostra. Resiste-se mais, pranta-se menos, vedados os olhos ondulados de pequena ostra. Essa é pequena ostra; dentro dela não se atingem as barbaridades, as cores da moda, o peso da moda, a dança da moda, a macaquice humana da moda, pois dotada de uma percepção incompreensiva a despeito das coisas do mundo de fora; pequena ostra torna-se constantemente desaprovada para esses rituais. Inicialmente, por conta própria, segundamente pela desistência insaciável das não-pequenas-ostras. Na imensidão que não a de dentro dela, a pequena animalzinho seria apenas mágoas, seria pedaço de maçã comida sempre e nunca maçã por completa, querida, vistosa. Pense que se você sequer margeasse os fluídos que se passam por dentro do lado esquerdo do peito de pequena ostra, você jamais lhe pleitearia com tanta displicência o alcance ao lugar em que nunca se chega. Então você se apropriaria de uma culpidão imensa, em seguida se corroeria com as doenças psíquicas que pequena ostra carrega desde-então-nem-sei-quando. Nessa instância, mediocridade versus amplitude se mediriam e o mundo todo saberia do que venho tratando. Um ataque de tristezas o comoveria e um esgotamento tremendo se espalharia, assim como o mar fora um dia aberto, a vermelhidão da dor que pequena ostra vem carregando a converteria em carne viva. Ainda não se sabe, mas a sensação prevista se equivale ao amargado pelos incrédulos em pós-tempos de Jesus e a descrença generalizada em sua filiação divina. Pequena ostra é uma espécie de Jesus das ostras, de quem chacotam todos vocês, mas é amanhã? Depois de superadas as crucificações; as renegações às pompas, os Judas aos cântaros. Mas é depois? Fato é que pequena ostra sabe antes de todos que é sozinho que se está na vida, é pequena ostra quem mais acredita na incapacidade de dois ou mais corpos serem coincidentes. Por essa conta, a pequena vem se esgotando da insistência das frouxidões dos outros; da reverberação de bocas em seus disse-me-disse-não-disse; do esticamento das adolescências, ainda que as mais profundas rugas se avultem, saltem aos olhos. Tem-se pequena ostra enojado das melindras intelectuais; dos teatros circenses para que apenas uma auto-história seja encenada; da língua nervosa que anseia o calar de vozes da alteridade, em favor de sua própria elucubração. Pequena ostra já descobriu que no fundo se é todo descontínuo. No pulo do gato, é que os sopranos se revelam, é que as calças se enchem de desarranjos intestinais. É no fundo do poço, que se tornam desnecessárias as exposições, as belezas artífices, os bem-sucedidos cifrões. No fundo da ostra tem se na conta uma ostra você também. No fim, a gente morre é sozinho. 

terça-feira, 8 de maio de 2012

Sobre as pessoas e Bob, o lagartixo


Primeiro os lóbulos são esquentados. Depois as bocas se afilam. No mundo das lagartixas ansiosas, é entre a barriga e o soluço que os pensamentos obsessivos se instalam. Um parasita zunindo para sempre os tornou espadaúdos lagartixos. Em seguida e do lado de fora, um grande gozo é certo a respeito de uma vitória lá de dentro inalcançada. Ninguém sabe de nada, apenas o lagartixo Bob e os-que-não-são-o-lagartixo-Bob. A verdade é que não se ensina um lagartixo a se espraiar. Sua natureza é avessa ao arreganho, a lagartixa come arainhas, é branca, pudica. É por detrás das grandes lentes lagartíxicas que os olhos evitados se apequenam em favor de uma grande fadiga universal que grita. Mas só todas as demais lagartixas restantes não se apercebem disso tudo. De repente não se fita desesperadamente em forma de aprovação, passa-se adiante, ligeira; apenas. Lagartixinha com rabo miúdo entre - pernas rapidinho. Passa através do pano vermelho taurino. De repente o balbucio é a melhor resposta, menos as desconexões que se enraízam nos sorrisos catastróficos. Era apenas lá confuso que se implorava. Sem indagações, sem perturbações e sem constatações babosas. Era a feiúra, era a gordura, eram pontas duplas e acnes evidentes, era a desocupação. Uma lagartixa toda defeituosa. Era o conselho, era o primo de um amigo lagartixo bem-sucedido, era a piedade da coisa apenas passageira, as lentes tristonhas das lagartixas idosas, sem vida. Era a desnecessidade de tanta coisa que a linguinha de Bob, o lagartixo se ressecou. A cauda solta era uma espécie de desarranjo intestinal das lagartixas. Um suor inundante os seus pezinhos transparentes.  De que gargalhavam os tortos. Por que agradeciam a deus. Não, mas não eram as provocações de lagartixa da vez. Primeiro havia o desejo intempestivo de que o coração de Bob fosse comido entre a transparência de seu corpinho. Para isso a questão em voga era destilá-lo. O porquê de sua esquisitice. Porquê de sua escamosidade. Porquê dessa lagartixice toda.