quarta-feira, 25 de abril de 2012

Da falta de um filtro


O entortamento voluntário de grampos. O rompimento intempestivo das cornetinhas. O desligamento das máquinas que concebiam a respiração. No filtro cabiam os sentidos mais profundamente lúcidos. E nele se enganchavam os mais vívidos pesadelinhos de sangue. A abelha ronronante se enveredou na cabeça como um balão bolante cheio de gás hélio: um estouro se deu. Duas gotas de abstinência se pelejando uma conta a outra. Uma queda sem fim, flutuante e ligeira, para sempre. Eu tinha um filtro em que meu Deus era uma força imensa. Uma baita de uma mucosa verdejante. Às vezes e de vez em quando, uma escapadela de surto se permitia e os cornos cresciam nas aves e eu podia sentir como se fosse bom a pele sendo infringida no pico mais alto dos chifres. E eu nem me lembrava mais a razão primordial de tanto filtro. Sem o filtro, as morceguinhas voltaram a se debandar para o lado dos corações infartados nas costas. Pois era lá que se minara até o centro deitado dos suspiros das princesas. O filtro me tolhia das ranhuras mais dispensáveis e das socializações acanhadas. Uma tremura sem fim é um sacudimento de pescoço apertado. Os ansiolíticos me trouxeram até aqui, sem que sequer um desentendimento se anunciasse. Agora há um sono eterno que não nos deixa cumprir as solenidades mais bagatelas, sem que a sudorese venha à tona. Há uma boca no tudo-tudo e um conjunto de ventres no nada-nada. Lado a lado, como que fundidos a luz de um mesmo dorso. Há uma inércia que desabilita as papilas, convertendo-as em vômitos e diarréias. A vida que se põe pra fora é proporcional a que fora entalada no filtro. Na falta do filtro, vive-se.