É debaixo da boca da noite que
os corações mais fadigados repousam. É sob o luar que pequena ostra espia o
pecado de viver entre os outros. Desculpe-me, mas é lá que estou; por entre os
ouvidos musicados da pequena ostra. As canções da pequenina são abafadoras, é
um bate contínuo no meio do cérebro. Quem fez isso, disso? A convicção da
pequena ostra me comeu, cada vez mais generosa, cada vez mais alarmante, cada
vez mais hipocondríaca. Pequena fora dela, eram só pérolas. Uma série de
obséquios engasgados diretamente anexados ao enfeite de seu caixão final. Lá dentro
erra-se menos, porque o sol é menos ofensivo. Lá dentro, a potência cerebral de
pequena ostra é menos posta à prova, minto: quase nunca é posta à prova. As pedras
ali atiradas doem tão pouco sobre a carcaça de pequena ostra. Resiste-se mais,
pranta-se menos, vedados os olhos ondulados de pequena ostra. Essa é pequena
ostra; dentro dela não se atingem as barbaridades, as cores da moda, o peso da
moda, a dança da moda, a macaquice humana da moda, pois dotada de uma percepção
incompreensiva a despeito das coisas do mundo de fora; pequena ostra torna-se
constantemente desaprovada para esses rituais. Inicialmente, por conta própria,
segundamente pela desistência insaciável das não-pequenas-ostras. Na imensidão
que não a de dentro dela, a pequena animalzinho seria apenas mágoas, seria
pedaço de maçã comida sempre e nunca maçã por completa, querida, vistosa. Pense
que se você sequer margeasse os fluídos que se passam por dentro do lado
esquerdo do peito de pequena ostra, você jamais lhe pleitearia com tanta
displicência o alcance ao lugar em que nunca se chega. Então você se apropriaria
de uma culpidão imensa, em seguida se corroeria com as doenças psíquicas que
pequena ostra carrega desde-então-nem-sei-quando. Nessa instância, mediocridade
versus amplitude se mediriam e o
mundo todo saberia do que venho tratando. Um ataque de tristezas o comoveria e
um esgotamento tremendo se espalharia, assim como o mar fora um dia aberto, a
vermelhidão da dor que pequena ostra vem carregando a converteria em carne
viva. Ainda não se sabe, mas a sensação prevista se equivale ao amargado pelos
incrédulos em pós-tempos de Jesus e a descrença generalizada em sua filiação
divina. Pequena ostra é uma espécie de Jesus das ostras, de quem chacotam todos
vocês, mas é amanhã? Depois de superadas as crucificações; as renegações às
pompas, os Judas aos cântaros. Mas é depois? Fato é que pequena ostra sabe
antes de todos que é sozinho que se está na vida, é pequena ostra quem mais
acredita na incapacidade de dois ou mais corpos serem coincidentes. Por essa
conta, a pequena vem se esgotando da insistência das frouxidões dos outros; da
reverberação de bocas em seus disse-me-disse-não-disse; do esticamento das
adolescências, ainda que as mais profundas rugas se avultem, saltem aos olhos. Tem-se
pequena ostra enojado das melindras intelectuais; dos teatros circenses para
que apenas uma auto-história seja encenada; da língua nervosa que anseia o
calar de vozes da alteridade, em favor de sua própria elucubração. Pequena ostra
já descobriu que no fundo se é todo descontínuo. No pulo do gato, é que os
sopranos se revelam, é que as calças se enchem de desarranjos intestinais. É no
fundo do poço, que se tornam desnecessárias as exposições, as belezas artífices,
os bem-sucedidos cifrões. No fundo da ostra tem se na conta uma ostra você
também. No fim, a gente morre é sozinho.
Eu poderia reconhecer seus textos em meio a milhões de outros textos. Este, especialmente, é tão você! Seu estilo vem se delineando a cada escrita! Belo texto! Parabéns!
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